Por Isis Nóbile Diniz
Fazia cerca de 14 graus de temperatura, o tempo estava nublado – parecia que ia chuviscar. Uma segunda-feira de inverno no Parque Estadual do Rio Turvo, Núcleo Capelinha, sul do Estado de São Paulo. Ivone Silva Souza, 37 anos, participava de um treinamento de reforço junto com seus colegas (quatro homens e uma mulher, foto abaixo) para reforçar qual o modo correto e seguro de se usar dois equipamentos que ajudam a acelerar o processo de plantio de árvores nativas: roçadeira e motocoveadora. A primeira substitui o uso de enxada para roçar o solo, pesa cerca de sete quilos. A segunda, com cerca de dez quilos, ajuda a fazer os berços (buracos no solo) onde serão plantadas as mudas. Ambas funcionam com gasolina. Ela foi uma das últimas a usar o equipamento durante esse treino. Os colegas até deram risada sobre o receio inicial dela em utilizar os equipamentos, antes dela começar o plantio na área, no primeiro semestre de 2016. Afinal, essa é a primeira vez em que ela utiliza esse tipo de máquina. “Nada a ver ser trabalho de homem porque exige força”, diz Vaninha, como é conhecida, com convicção. “A mesma coisa que o homem faz a mulher também é capacitada para fazer. Não sinto sofrer preconceito, eu me sinto bem com meu trabalho. Todos roçamos juntos, abrimos os berços, puxamos as mudas. Somos uma equipe”, ressalta.
Franca e afável, Vaninha é uma pessoa firme. Daquelas que têm iniciativa, principalmente, quando surgem imprevistos. Durante os treinamentos, um cano de borracha enterrado cerca de dez centímetros no solo foi perfurado sem querer por um dos plantadores de árvores colega da Vaninha enquanto aprendia a usar o perfurador. Ela nem esperou os chefes pedirem. Enquanto as pessoas pensavam no que fazer e antes que a água ensopasse o solo, correu até a base onde ficam alguns materiais e voltou com uma tesoura, um pedaço de cano e uma fita de borracha. Cortou a parte danificada, colocou a emenda e vedou firme com a fita de borracha. Pronto. Agora, o próximo passo é investigar o caminho do cano e demarcar para evitar mais imprevistos.
Vaninha faz parte da equipe da Iniciativa Verde. Foi contratada para fazer a recuperação de 72 hectares (o que equivale a mais de 120 mil árvores) no Parque Estadual do Rio Turvo com financiamento da concessionária Arteris para a compensação da duplicação de parte da Autopista Autopista Régis Bittencourt. Ela nasceu na roça e sempre trabalhou no campo. Atualmente, é avó de dois netos, tem quatro filhos e mora com o companheiro. Plantava alimentos como feijão e mandioca para subsistência. Os empregos eram escassos na região (bairros localizados às margens da rodovia Régis Bittencourt, principal ligação entre São Paulo e Curitiba). “Não tinha a quem recorrer.” Há cerca de dez anos morava no Parque, até ele ser transformado no Mosaico do Jacupiranga. Este é formado por áreas naturais protegidas com mais restrições e sem moradores e por outras onde estão as comunidades. Parte dele está dentro do município de Cajati, onde mora Vaninha, com cerca de 28 mil habitantes. A renda média de uma família (com cerca de quatro pessoas) é de R$ 1.154,85 mensais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inferior à média do Estado de São Paulo.
Faz 13 anos que Vaninha já não desmata mais. Mas, antes, desconhecia a lei sobre a proibição em derrubar floresta nativa. “Não sabia a importância de que a árvore, a natureza, traria melhoras para a gente futuramente. Agora, dou muito valor ao reflorestamento, ao meio ambiente”, conta. Na época da criação do Mosaico, ela foi avisada de que a parceria entre o Instituto Amigos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, por meio da Fundação Florestal, faria o projeto “Apoio aos Componentes de Gestão e Restauração Florestal do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica” com uma espécie de curso prático com aulas teóricas e prática também de plantio de árvores nativas e de recuperação de floresta. Os antigos moradores do parque Mosaicotiveram prioridadee 25 participaram (20 homens e cinco mulheres). “Eu me interessei. Já sabia que era um curso mais para cuidar da natureza. Via nele uma oportunidade de trabalho”, conta. E foi o começo da carreira de recuperadora florestal em sua vida.
“Pagaram para eu fazer o curso. Trabalhei com reflorestamento de palmito na beira da estrada durante uns cinco meses. Em seguida, fui contratada por um pouco mais de um ano para fazer reflorestamento dentro do parque por uma empresa (antes do atual emprego)”, lembra. Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, era um dos professores do curso. Ele chamou os alunos para fazer entrevista para executar a atual compensação ambiental. “Fiquei sabendo, ia atrás dele. Perguntava se era mesmo o que ele queria. Se está gostando do meu trabalho. Ele é tudo para mim, reflorestar a natureza”, conta Vaninha.
De acordo com ela, para trabalhar com reflorestamento tem que ter amor. Amor ao que você faz. “Adoro mexer com a natureza, não quero ser empregada doméstica”, a outra opção comum para as moradoras da região. “Meu menino de 12 anos já fala que quer fazer o que a mãe faz. Então, chamo ele para plantar mandioca, palmito comigo no quintal”, fala. “Eu fico muito triste quando vejo desmatamento. Com isso, queira ou não as pessoas inocentes vão acabar sofrendo os danos que eles estão causando. Queria que as pessoas mudassem de opinião, tivessem outro ponto de vista para entender as coisas como a gente entende”, se emociona. “No decorrer do tempo vai faltar água. Nós estamos cuidando para que isso não aconteça. Lá na frente, se não estivermos vivos, vai ter serventia para nossos filhos, nossos netos”, completa. Ela sabe o valor do trabalho: “Se eu tiver que sair daqui de bota usada no campo ou com o resto da roupa do trabalho não importa. Inclusive, se preciso ir à cidade. Me sinto orgulhosa”.