Pobre país rico

Pobre país rico

Categoria(s): Arquivo

Publicado em 16/05/2014

Felizmente, saneamento básico em nosso país passou, ao menos nos últimos anos, a ser visto como prioridade. O que não significa que a questão já esteja bem encaminhada. Segundo dados do Ministério das Cidades (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, SNIS), mais da metade dos brasileiros ainda não possui acesso à coleta de esgotos e de todo o esgoto gerado apenas 38% recebe algum tipo de tratamento antes de ser despejado em rios, córregos, represas, mar e lugares ainda menos recomendados. O que compromete a saúde das pessoas, de nossas crianças expostas a contrair verminoses, diarreias, hepatite e outras enfermidades diretamente ligadas a doenças de origem hídrica e colocam o Brasil no rol dos países mais subdesenvolvidos.

Enquanto na economia somos a sétima do mundo, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que mede itens ligados à qualidade de vida), ocupamos vergonhosamente, a 85ª posição. A esse estado de coisas temos nos acostumado nas grandes cidades ao vermos quase sem reação nossos rios poluídos, o mau cheiro constante e esgotos à céu aberto nas periferias.

Mais desafios no campo
Se nas cidades o desafio de universalizar a coleta e tratamento de esgoto é difícil, pelo menos está bem contemplada no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), a questão ganha contornos mais dramáticos quando nos referimos às áreas rurais do país. Hoje, cerca de 23 milhões de pessoas não tem acesso à coleta e tratamento de esgoto nas áreas rurais no Brasil (dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa). O Plansab, de maneira bastante otimista, prevê a universalização da coleta e tratamento de esgotos nas áreas urbanas para 2030. Mas mesmo essas metas são consideradas inviáveis por especialistas, como afirma Dante Ragazzi Pauli, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES): “No ritmo atual, atingiremos a universalização do saneamento básico em não menos que 40 ou 50 anos”. Na zona rural, caso todo o plano fosse executado à perfeição, chegaríamos a 77% da população que mora no campo com coleta de esgotos. Portanto, até nas previsões mais fantasiosas, o meio rural não teria a coleta de esgotos universalizada.

Obviamente, o setor rural possui uma logística muito mais complexa do que nas cidades. Comunidades isoladas e distantes umas das outras não poderiam mesmo receber as mesmas soluções utilizadas, por exemplo, em áreas metropolitanas. Conforme aponta o estudo “Saneamento Rural no Brasil – Impacto da fossa séptica biodigestora”, realizado pela agrônoma Cinthia Cabral da Costa, o mais comum no país ainda é a adoção de fossas sépticas e rudimentares. Para a pesquisadora, o custo baixo é determinante para a proliferação desses métodos, mesmo levando em conta os grandes riscos ambientais e para a saúde das pessoas.

A chamada fossa rudimentar (aquela mais simples onde é cavada a terra e jogados os dejetos) representa a pior solução, pois na maioria das vezes é apenas buracos nos quais os dejetos humanos são depositados e que não evita a contaminação do solo, do lençol freático e não impede que cheguem a rios, córregos e fontes de água.

Já a fossa séptica acaba por desempenhar um papel um pouco melhor, pois é capaz de realizar um tratamento básico do esgoto evitando, em parte, a contaminação do solo e da água. Ao mesmo tempo, ela não recicla os excrementos humanos, apenas contribui para a redução deles, via decomposição dos dejetos, tornando o esgoto residual e em menor quantidade. Mesmo assim, a fossa séptica exige uma limpeza permanente, pois a existência de organismos patogênicos (vírus e bactérias) precisa ser eliminada, em virtude de seu potencial de causar doenças. Portanto, esse material sólido depositado na fossa deve ser encaminhado por meio de um caminhão especial para limpar fossas e descartado em um aterro sanitário.

Fossa séptica biodigestora
Entre as várias tecnologias mais eficientes de tratamento de esgoto em zonas rurais que têm alcançado melhores resultados, podemos destacar a fossa séptica biodigestora colocada em prática pela Embrapa Instrumentação. Além de realizar a coleta, sistema trata os dejetos humanos utilizando o processo de biodigestão anaeróbico, ou seja, decomposição da matéria orgânica feita por bactérias, em caixas de água enterradas e vedadas.

A vedação impede a proliferação de insetos e animais peçonhentos, diferente do que ocorre em outros processos de fossas convencionais. A decomposição transforma os dejetos humanos em biogás e em um material que pode ser usado como adubo orgânico. Uma maneira barata de transformar um problema em solução. Isso demonstra que, apesar da dificuldade, a universalização do atendimento ao tratamento e coleta de esgotos nas zonas rurais é possível. Com tanto que seja visto por todos como prioridade.


Soluções para o saneamento rural
O projeto Plantando Águas, realizado pela Iniciativa Verde em parceria com cerca de 20 instituições e com patrocínio da Petrobras, tem como uma de suas principais atribuições a implantação de fossas sépticas biodigestoras com apoio técnico da Embrapa de São Carlos (SP). A Iniciativa Verde entende que nosso campo, nossas áreas rurais, prestam um serviço essencial para a vida de todos os brasileiros. Os cuidados com a saúde e preservação das fontes de água, dos mananciais, da biodiversidade, das florestas e de recuperação de áreas degradadas são fundamentais para garantir nosso futuro, nossos alimentos e mitigar os nefastos efeitos das mudanças climáticas.
 

*Matéria publicada na revista Plantando Águas, patrocinada pela Petrobras. Baixe a publicação neste link.