A o final da reunião de apresentação do Plantando Águas com moradores do assentamento Bela Vista do Chibarro, numa típica tarde quente de Araraquara, interior de São Paulo, é lançada a pergunta:
- E aí, o que vocês dizem?
“Tô dentro!”, responde entusiasmada uma agricultora, repetida em seguida por outras vozes. Um dos representantes de entidades do assentamento presente na reunião, o senhor João Vicente dos Santos (presidente do Sindicato da Agricultura Familiar de Araraquara e Matão), já havia declarado: “Esse é um projeto que a gente sempre sonhou. Vamos ver se agora ele se concretiza”.
A expectativa e acolhida do projeto é sentida também nas outras áreas em que ele se propõe a atuar. São oito cidades, divididas em três áreas: Barra do Turvo e Cajati, no Vale do Ribeira, envolvendo moradores de áreas protegidas; Araraquara e São Carlos, em assentamentos de reforma agrária; e Iperó, Itapetininga, Piedade e Porto Feliz, também em assentamentos e com pequenos agricultores familiares.
METAS
O projeto tem patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e será desenvolvido até dezembro de 2019. A fim de promover a adequação ambiental dos imóveis rurais e cuidar da qualidade da água, estão previstas a implantação de 200 sistemas de saneamento com tecnologias sociais, como fossa séptica biodigestora, clorador da Embrapa e jardim filtrante, 20 pontos de monitoramento de água e 60 hectares de Sistemas Agroflorestais (SAFs), uma forma de produção que combina o plantio de diferentes espécies, entre nativas e produtivas, além de 2 mil atendimentos em atividades de educação ambiental.
“Temos uma equipe de técnicos e pesquisadores que trabalham para chegar na melhor opção para cada família, pensando na manutenção dos sistemas, que seja também econômica, para que o projeto possa alcançar o maior número de pessoas, e colocadas em lugares estratégicos, onde podem oferecer o maior benefício socioambiental”, afirma Margareth Nascimento, coordenadora do projeto.
Sistema Agroflorestal implantando no primeiro Plantnado Águas
CENÁRIO
A demanda é enorme. Dados levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, mostram que apenas 34,5% dos domicílios nas áreas rurais estão ligados a redes de abastecimento de água com ou sem canalização interna. Nos outros 65,5%, a população capta água de chafarizes e poços protegidos ou não, diretamente de cursos de água sem nenhum tratamento ou de outras fontes alternativas geralmente inadequadas para consumo humano.
A situação é ainda pior em relação aos sistemas de tratamento de dejetos: somente 5,45% dos domicílios estão ligados à rede de coleta de esgotos, 4,47% utilizam a fossa séptica ligada a rede coletora e 28,78% fossa não ligada à rede. Os demais domicílios (61,27%) depositam os dejetos em fossas rudimentares, lançam em cursos d’água ou diretamente no solo, a céu aberto. Em algumas das comunidades visitadas pelo Plantando Águas, nunca houve um programa de saneamento rural.
AFLUÊNCIA
Para começar a mudar essa realidade, o caminho escolhido é trabalhar de maneira transversal. “Nós tentamos aplicar uma abordagem integrativa, de não pensar apenas a recuperação de matas ciliares sem tratar o esgoto, não implantar SAFs sem pensar de onde vamos tirar a água para irrigar a plantação”, explica Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde.
A ideia é também alinhar com outros projetos da Iniciativa Verde, dos parceiros, e especialmente considerando as ações e ideias dos participantes. A escolha dos lugares é fruto dessa visão, pois, além de terem necessidade de investimento, já fazem parte da rede de parcerias da Iniciativa Verde com outras ONGs, prefeituras, viveiros, agricultores, empresas, instituições de ensino, e outros.
“A primeira fase do Plantando Águas mostrou a importância do trabalho em equipe, engajamento do corpo técnico e parcerias com a mão de obra das pessoas no campo, bem como a delicadeza em manter os jovens na extensão rural”, conta Margareth Nascimento. “O projeto tem a preocupação com a restauração florestal, o saneamento e a conscientização ambiental no qual as pessoas estão inseridas fazendo parte da mesma paisagem. O desafio da nova etapa é sem dúvida garantir a excelência do grandioso e belo trabalho criativo anteriormente iniciado para agregar todos os saberes adquiridos”, completa.
Horta de agricultores do assentamento Santa Helena, que participaram da primeira fase do projeto
UM BOM COMEÇO
A primeira fase do Plantando Águas aconteceu de 2013 a 2015. Nesse período foram desenvolvidas atividades em 163 imóveis rurais, contemplando sete assentamentos da reforma agrária, uma comunidade quilombola e 47 sítios de pequenos agricultores. Foram implantados 75 hectares de SAFs e matas ciliares, 145 sistemas de saneamento e 18 pontos de monitoramento da água. Atividades de educação ambiental foram feitas com agricultores e estudantes, totalizando 1.712 participantes em oficinas e intercâmbios e 3.964 visitas monitoradas ao CEA - Centro de Educação Ambiental de São Carlos.
Foi nessa fase que o sítio de Sebastião da Frota Duque, seu Sebastiãozinho, recebeu melhorias. Numa visita feita em fevereiro de 2018, ele mostrou como o projeto ajudou na sua roça. “Não consigo nem te dizer o valor disso”, falou sobre a cisterna que foi implantada no seu sítio. Com ela, ele consegue guardar a água da chuva para usar nas plantações.
PRÊMIOS
O projeto desenvolvido de 2013 a 2015 recebeu reconhecimento em escala internacional: ganhou o primeiro lugar do prêmio Von Martius de Sustentabilidade 2016, na categoria Tecnologia, e o terceiro no prêmio Latino America Verde, em 2017, na categoria Água. “Além da satisfação de ver o Plantando Águas se destacando entre tantos projetos, essas premiações foram uma ótima oportunidade de trocar ideias e experiências com pessoas que também trabalham para a construção do desenvolvimento sustentável”, relatou o presidente da Iniciativa Verde.
PRÓXIMOS PASSOS
Diversas reuniões já foram feitas para estabelecer as parcerias e garantir que o projeto contribua para a economia local, e não apenas leve investimentos externos, que atenda as famílias que mais precisam, comprometidas a continuarem o cuidado iniciado pelo Plantando Águas, e que as tecnologias implantadas sejam as mais adequadas para cada situação.
O plano é instalar a maior parte dos sistemas agroflorestais e de saneamento até o final de 2018, para que no ano que vem o foco seja no acompanhamento técnico. “Escolhemos concentrar o trabalho manual ‘pesado’ agora para não faltar tempo de tirar as dúvidas dos participantes, para que, ao final do projeto, eles possam continuar cuidando das águas com maior segurança e independência”, esclarece Resende.
Acompanhe as ações do Plantando Águas pelo site www.iniciativaverde.org.br/plantandoaguas