Os berçários do restauro florestal

Os berçários do restauro florestal

Categoria(s): Arquivo

Publicado em 04/10/2018

Texto e fotos: Gabriela Nunes e Marina Vieira Souza

Existem no Brasil quase 20 milhões de hectares de passivo ambiental, isto é, de área que deve ter sua vegetação nativa restaurada para que a propriedade rural fique de acordo com o Código Florestal. Pela lei de 2012, as propriedades que não se adequarem podem sofrer punições e perder acesso a créditos rurais.
Seguindo os métodos mais comuns de restauração, seriam necessárias mais de 30 bilhões de mudas para cumprir esse passivo. Isso significa um enorme potencial econômico voltado para produção e plantio de mudas nativas, cenário no qual os viveiros são peça chave. 


Viveiro comunitário em Barra do Turvo, no Vale do Ribeira (SP)

Um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 listou 1.276 viveiros produtores de espécies florestais nativas no Brasil, sendo São Paulo o estado com mais viveiros – 369 no total. O mesmo estudo aponta que a produção está sendo realizada a menos da metade de sua capacidade total, podendo ser expandida, caso haja aumento da demanda.

E é justamente demanda que tem faltado para o viveiro comunitário Bela Vista, em Barra Turvo, cidade do Vale do Ribeira. Afonso Quintino é aposentado, morador da região e trabalha no viveiro há 8 anos. Ele relata sua rotina: o trabalho consiste em entrar na mata, coletar as sementes, preparar os saquinhos ou tubetes com terra e substrato, plantar, e cuidar por pelo menos dois meses, podando raízes, regulando a incidência solar e protegendo a muda de ervas daninhas, animais, vento, geada e outros elementos danificadores, e, finalmente, vender.

Apesar do volume de trabalho, seu Afonso conta que hoje não dá para se sustentar apenas com o viveiro. “Antes nós vendíamos tudo para projetos de meio ambiente. Agora, a gente vende para quem chega”, conta o viveirista, considerando sorte quando conseguem vender, em conjunto, um grande volume de mudas. A média de preço de venda varia em torno de R$ 1,00 por mudas de 15 centímetros.

DIFICULDADES
O atraso na implantação de instrumentos do Código Florestal, como o Programa de Regularização Ambiental (PRA), é uma das explicações que Francisca Alcivania de Melo Silva, professora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Registro, dá para a falta de projetos. “A demora em disponibilizar áreas, por conta dessa burocracia, cria um ambiente desfavorável para o restauro, e falta demanda para produção de mudas”, explica.
Apesar disso, ela pede que os viveiristas não percam o ânimo. “Acredito que a vocação do Vale do Ribeira seja a produção de mudas. Nosso melhor banco de sementes do Estado está aqui, então vocês (se dirigindo aos viveiristas) têm que ter diversidade e qualidade de mudas”, disse a professora durante oficina de viveiros comunitários realizada pelo projeto Plantando Águas, em Barra do Turvo.

Ela contribuiu para um levantamento da Rede de Viveiros do Vale do Ribeira, que identificou 30 viveiros comunitários de pequeno porte distribuídos por nove cidades da região. A maioria está localizada em Unidades de Conservação de Uso Sustentável ou no seu entorno, e são tocados por comunidades tradicionais (quilombolas) e agricultores familiares. A produção total de mudas é de quase 210 mil ao ano, com 179 espécies identificadas, sendo 60% não pioneiras e 40% pioneiras (as que são plantadas primeiro). Por conta dessa alta diversidade na produção, o estudo conclui que os viveiros do Vale têm capacidade para atender aos principais requisitos dos projetos de restauração.

Ocimar Bin, pesquisador do Instituto Florestal que também contribuiu para o levantamento e para a oficina do Plantando Águas, comenta ainda sobre os benefícios que as atividades que um viveiro pode trazer para as comunidades. “A produção de mudas fortalece a relação das pessoas com a natureza. A pessoa aprende a olhar uma árvore e perceber quando ela está florindo, que logo, logo vai ter semente para coletar”, comenta. “Isso cria no dia-a-dia das pessoas uma curiosidade sobre as coisas da floresta. E ainda traz um retorno financeiro”, completa Bin.

Esta matéria foi originalmente publicada na revista Iniciativa, feita pelo projeto Plantando Águas. Clique para baixar e acesse www.iniciativaverde.org.br/plantandoaguas para conhecer o projeto.