Por Samuel Cortez*
A muvuca de sementes é uma técnica ativa de restauração ecológica. Ela consiste na mistura de diferentes sementes de espécies nativas junto às sementes de adubação verde e de espécies facilitadoras em alta densidade. O plantio ocorre diretamente no substrato da área manejada.
Esta metodologia tem ganhado espaço nos últimos anos em função do baixo custo de implantação quando comparado às demais práticas de restauração ativa — como o plantio convencional de mudas. Ela também é atrativa em função da baixa necessidade de intervenção humana ao longo da fase de manutenção, uma vez que as áreas de muvuca tendem a apresentar um comportamento autossuficiente devido ao processo de substituição das espécies conforme o desenvolvimento.
Além do mais, a técnica tem sido aprimorada graças a atuação de instituições de pesquisa e fomento, como a Iniciativa Caminhos da Semente e o Instituto Socioambiental. Nesse sentido, vale ressaltar que plantar diversas sementes em altas densidades já era uma prática ancestral indígena, a qual foi adaptada e aperfeiçoada para a recomposição da vegetação nativa.
Preparação da muvuca
Portanto, a muvuca é mais do que uma simples mistura de sementes, pois para alcançarmos o objetivo de restaurar uma área degradada é necessário selecionar e quantificar as espécies que vão compor o plantio. Para isso, é levado em consideração o agrupamento das espécies nativas conforme sua estratégia ecológica e ciclo de vida. Por exemplo, utilizamos uma maior densidade de espécies pioneiras, que possuem uma menor vida útil, ao passo que aplicamos uma menor densidade das espécies secundárias iniciais e finais, visto que essas perduram por um período bem mais longo. Além disso, como as sementes precisam estar viáveis para germinação após a sua coleta e beneficiamento, nesta metodologia há uma maior contribuição das espécies ortodoxas, já que estas possuem sementes tolerantes a desidratação.
Espécies aliadas da restauração
Para além das espécies nativas, na muvuca de sementes também são adicionadas as espécies de adubação verde e espécies facilitadoras. As primeiras têm por objetivo promover a incorporação de nitrogênio, bem como sombrear o solo nos primeiros anos e produzir matéria orgânica. Desta forma, auxiliam também no controle da matocompetição e favorecem o estabelecimento e desenvolvimento das espécies florestais semeadas. Já as espécies facilitadoras são normalmente espécies agrícolas que também contribuirão com o sombreamento do solo nos primeiros estágios de desenvolvimento e facilitam o plantio assumindo diferentes funções.
Área de muvuca após um mês de implantação
A utilização destas espécies é essencial para uma boa trajetória ecológica da área restaurada, porque, como partimos de um solo gradeado em função do preparo, elas são capazes de recobrir o solo rapidamente evitando eventos de erosão.
Boa parte das espécies de adubação verde e facilitadoras são exóticas à flora brasileira e são incorporadas na composição de uma muvuca quando não apresentam potencial invasor. Além disso, dentro do processo de desenvolvimento da área, elas são naturalmente excluídas do sistema.
Porém, se engana quem acha que as espécies que compõem uma muvuca são resultado de escolhas exclusivamente humanas. Afinal, após a semeadura direta, o próprio ambiente também contribui com a seleção das sementes mais adaptadas. Desta forma, o solo, o clima e o tempo destacam as espécies que estão em condições adequadas de germinação para o local em que se pretende restaurar.
Possibilidades de implantação
A muvuca de sementes também é flexível quanto as formas de implantação. Podem ser feitos arranjos para plantio manual, em linhas ou covetas, além do plantio mecanizado, no qual melhor exploramos o potencial ecológico e econômico desta metodologia.
Plantio manual
O método manual é adaptável às áreas planas e acidentadas, nas quais o desenho de implantação permite diferentes formas de plantio, tais como: implantação separando o mix de sementes de adubação verde das espécies nativas; diferentes distâncias de abertura de linhas e/ou covetas; aplicação para enriquecimento de áreas já em restauração. As limitações desta técnica estão relacionadas a escala de projeto. Por conta da restrição de mão de obra, o plantio manual é utilizado em áreas menores.
Já o plantio mecanizado, implantado a partir de implementos agrícolas como calcareadeiras, adubadeiras ou plantadeira de grão, permite a atuação em maior escala. Estima-se que em apenas um dia é possível plantar até 10 hectares. Neste formato, uma maior quantidade de sementes é aplicada, o que contribui com a recomposição do banco de sementes da área a ser restaurada. Sua principal restrição está relacionada às condições de relevo, uma vez que para as operações serem mecanizadas é necessário que o local de plantio seja plano.
Plantio mecanizado
Acompanhando o desenvolvimento de uma muvuca
Após a implantação de uma muvuca, a área deve ser avaliada para atestar a germinação das espécies de forma homogênea, além de verificada quanto a fatores de perturbação que podem interferir no desenvolvimento das plântulas — como a matocompetição e ação de formigas-cortadeiras.
Estágio inicial, com predomínio de espécies de adubação verde
Nos primeiros meses é notória a contribuição das espécies de adubação verde de ciclo curto, como feijão-de-porco, crotalária, girassol, abóbora, entre outras. Após aproximadamente 6 meses, a área já apresenta uma vegetação arbustiva composta principalmente pela crotalária, que neste momento inicia a senescência e é substituída pelo feijão-guandu. Abaixo desta estrutura, composta pela adubação verde, boa parte das espécies florestais já germinaram, e a depender da espécie já apresentam de 10 a 50 cm de altura.
Espécies nativas arbóreas tomando o terreno
O feijão-guandu perdura por cerca de até 3 anos, nos quais entre as temporadas de chuva e de seca, em função da sua biomassa expressiva, contribui com a formação de serrapilheira. Além do mais, neste processo de abertura e fechamento da estrutura composta predominante pelo guandu entre as estações do ano, as espécies florestais vão se adaptando e tendo condições de se desenvolver tanto acima como abaixo do solo. Assim, após a vida útil do feijão-guandu, as espécies florestais nativas já terão porte arbustivo. Com aproximadamente 6 anos, as florestas de sementes já são exuberantes em estrutura e composição.
Floresta formada
Para além dos ganhos em escala, menor custo operacional, menor necessidade de intervenção humana e resultados ecológicos satisfatórios, a muvuca de sementes abrange também o componente social. As sementes, antes de plantadas, precisam ser coletadas por muitas mãos. Hoje existem diversas redes de coleta de sementes no Brasil, compostas por povos tradicionais, indígenas e quilombolas, além de assentados rurais. A coleta e o beneficiamento de sementes contribuem para o incremento de renda sustentável de diversas famílias.
Desde 2019 a Iniciativa Verde vem incorporando cada vez mais a técnica de muvuca em projetos de restauração florestal
A partir de 2019 a Iniciativa Verde iniciou a implantação da metodologia de muvuca de sementes em seus projetos e de forma gradativa foi incorporando mais áreas restauradas com esta técnica. Até 2025, já foram restaurados por volta de 46,4 hectares exclusivamente a partir da muvuca de sementes.
*Samuel Cortez é gestor ambiental e integra a equipe florestal da Iniciativa Verde. Também colaboraram com este texto Bruno Cardoso e Jeferson Cabral