"O Relatório de Síntese da UNFCCC de 2022, lançado na semana passada, não poderia ser mais claro: embora a ciência afirme que precisamos de uma redução global de 43% das emissões dos níveis de 2019 até 2030 para manter 1,5˚ C ao alcance, as NDCs atuais apresentadas, se totalmente implementadas, incluindo metas condicionais, representarão uma redução de apenas 3,6% das emissões em relação aos níveis de 2019. O relatório UNEP Gap, também lançado pouco antes da COP, confirmou o mesmo. Estamos lamentavelmente longe de onde precisamos estar."
A aspas acima foi retirada da newsletter Eco, publicação diária da Climate Action Network International, em 07/11, primeiro dia de atividades de fato na COP 27, em Sharm El Sheik. Ela traz um recado muito claro e que foi posto na pauta das negociações: é necessário aumentarmos as nossas ambições em relação à redução de emissões, falarmos sobre a diminuição no uso de combustíveis fósseis e que estamos longe, em execução e em ambição, do que é necessário para darmos conta do problema que nos espera em futuro próximo.
Desde antes do seu início, a COP 27 estava sendo intitulada pela sua presidência como “A COP da Implementação”, tamanha era a expectativa de que assuntos essenciais para encararmos o desafio climático fossem regulamentados, principalmente os relacionados a Adaptação, Mitigação, Ambição Climática e Financiamento Climático.
Considerando que implementar significa partir para ação e transformar promessas em práticas, podemos afirmar que essa edição, apesar de um acordo histórico, terminou com um gosto azedo de “falhamos”. O fato é que após 15 dias de negociações estendidas e de expectativas frustradas, temos um contexto que nos deixa mais perto de um cenário de 3°C de aquecimento até 2100. Passamos longe do aumento das nossas ambições climáticas e de um acordo sobre o fim do uso de combustíveis fósseis.
A “decisão de capa” da COP27, um documento que reflete o contexto político/diplomático das negociações, não trouxe nenhum avanço e repetiu o que já havia sido acordado em 2021 em Glasgow: “o mundo precisa estabilizar a elevação de temperatura segundo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris”, porém, diferente da COP anterior, não fez menção a diminuição no uso dos combustíveis fósseis.
Pouco se avançou nas definições do Programa de Trabalho em Mitigação (MWP, ou Mitigation Work Program), criado também em Glasgow, com o objetivo de acelerar o corte de emissões dos países para manter o 1,5°C ao alcance. Essa estagnação se deu por conta das divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Debates sobre financiamentos
No tema financiamento, os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos para financiar ações climáticas no Sul Global continuam sem definição sobre quando e como serão pagos. Aqui vale lembrar que a primeira menção feita a esse financiamento foi na COP15, realizada em 2009, em Copenhague.
De resultado notável, houve a criação de um fundo de perdas e danos, que pessoalmente acho mais adequado chamar de fundo de reparação histórica, mas que ainda carece de definições de itens básicos como fonte dos recursos, quem poderá utilizá-los e em quais circunstâncias. Enfim, até mesmo a principal conquista dessa COP necessitará de um grande esforço coletivo para que a intenção se converta em prática. Vale ressaltar aqui que um fundo de compensação por perdas e danos será ineficaz se não houver compromisso efetivo no aumento da ambição climática dos países e na implementação de um mecanismo eficaz de mitigação.
Outra expectativa que se tinha em relação a essa COP era a regulação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da implementação do mercado global de carbono e que pode ser um importante financiador de projetos de restauração nos próximos anos. Nesse ponto, houve algum avanço, embora insuficiente para a operacionalização imediata do mercado. Muitos assuntos, como mecanismos de definição para os critérios de adicionalidade e permanência, ainda precisam ser debatidos. Além disso, o texto final traz definições vagas sobre salvaguardas socioambientais, assunto cada vez mais debatido em projetos de REDD+* que envolvem comunidades tradicionais.
O Brasil na COP27
A participação oficial do Brasil na COP foi tímida e se deu através de um pavilhão focado no tema energia limpa, o que soa contraditório uma vez que o setor de energia nacional aumentou a sua contribuição na emissão nacional no último ano por conta do incentivo do governo ao uso de termoelétricas. Nesse espaço oficial, se falou pouco sobre floresta e desmatamento, respectivamente o nosso maior ativo e o nosso maior problema quando o assunto é mudanças climáticas.
Para além deste pavilhão havia também outros dois mais frequentados e plurais, o do consórcio de governadores da Amazônia e o Brazil Climate Action Hub, organizado pelo Instituto Clima e Sociedade e com eventos propostos pela sociedade civil, onde pudemos apresentar um pouco do trabalho da Iniciativa Verde.
Palco do Brazil Climate Action Hub (foto:Pedro Barral)
Nesses dois últimos espaços era notável o entusiasmo com a eleição de Lula para a presidência a aceno para a mudança na política ambiental do Governo, o que foi confirmado no seu discurso. Uma fala firme em que, na posição de presidente eleito, se portou como um verdadeiro estadista.
Neste discurso, Lula reconheceu a urgência em se enfrentar as mudanças climáticas e o papel protagonista do Brasil, como detentor de dois grandes ativos - a floresta e a diplomacia - para o enfrentamento do problema. Colocou a agenda climática como compromisso prioritário do seu governo e se comprometeu com o retorno das políticas públicas relacionadas ao clima.
O presidente também reendossou o compromisso com o desmatamento zero e a promessa de campanha sobre os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, colocando-os como protagonistas da conservação da floresta. Ele ainda “candidatou” Brasil, na Amazônia, para ser sede da COP30 em 2025. Cobrou a criação de um mecanismo de financiamento para perdas e danos, e responsabilizou países ricos e desenvolvidos a arcarem com o financiamento internacional.
Passagem do presidente eleito Lula atrai câmeras na COP27 (foto: Pedro Barral)
Foi um discurso ambicioso, que colocou a pauta climática e ambiental no centro do seu governo, necessário para resgatar o protagonismo brasileiro nas grandes questões mundiais e que gerou enormes expectativas na sociedade civil, brasileira e mundial, que estavam ali presentes. Cabe agora, a essa mesma sociedade civil, acompanhar de perto o novo governo, cobrando que esse discurso se transforme em ações práticas.
O espaço de exposição a COP, onde acontece a maior parte do nosso dia a dia, se assemelha a um gigantesco (pelo tamanho e pela duração) congresso internacional sobre mudanças climáticas que reúne governos, academia, empresas e sociedade civil. Calculamos que, em um cenário conservador, aconteceram mais de 5.000 eventos entre os oficiais da UNFCCC e os dos pavilhões. Ali tivemos a oportunidade de participar de diversos painéis relacionados a mudanças climáticas, florestas, restauração, agricultura entre outros. Por si só, esse é um ótimo momento de aprimoramento técnico, de networking e principalmente para vermos o que está sendo dito e feito mundo afora.
Em linhas gerais podemos dizer que, ainda que o financiamento climático esteja abaixo do necessário e o tema não tenha avançado o suficiente para resolvermos o problema das mudanças climáticas, existe muito recurso no mundo já disponível para projetos focados em Mitigação e Adaptação, e que pode ser acessado através de agências de fomento e de cooperação (IKI, USAID, UKPACT) e Fundos (GEF, Adaptation Fund).
Nesse tópico, vimos que grandes certificadoras de projetos e ONGs internacionais entendem que o grande gargalo para se escalar nesta modalidade está no monitoramento em larga escala.
Perspectivas para o futuro próximo
Apesar da importância da restauração (ecológica e produtiva) como uma ferramenta de mitigação e de adaptação e da presença do tema em diversos painéis de Sharm El Sheik, a expectativa é de que esse assunto seja mais discutido na COP15 da biodiversidade, que acontecerá em dezembro em Montreal, junto com o lançamento presencial da Década da Restauração (lançada virtualmente no ano passado por conta da pandemia).
Como diretor da Iniciativa Verde, vejo que foi muito importante estarmos de volta à COP, afinal, foi na Cúpula do Clima de Montreal, em 2005, que nascemos como ideia. A participação da sociedade civil nas conferências das partes (e aqui falo não só clima, mas também da biodiversidade e desertificação) é fundamental para mostrar aos negociadores que, para além da urgência que o desafio exige, há uma grande expectativa de avanço nas ações que serão tomadas. E estaremos ali, atentos e cobrando por elas.
Pedro Barral, Diretor Florestal da Iniciativa Verde
Novembro de 2022
* Reduções de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal + conservação dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável de floresta e aumento de estoques de carbono florestal