Texto: Isis Nóbile Diniz
Fotos: Lucas Pereira e Roberto Resende (plantio)
“Estava na fila da Lotérica em Cambuí, Minas Gerais, para pagar uma conta quando duas moças me olharam e começaram a rir. Tiravam sarro de mim porque eu sou da roça, sou idosa. Eu sou, sim. Mas tenho meus bois, minhas vacas, cuido do sítio, faço queijo”, se indigna com o preconceito Neusa Vieira Tenório, 61 anos, proprietária rural e produtora de queijo caseiro, originalmente mineiro. “Quando tem chuva ou geada não há nem feijão para vender no mercado. Aí, as pessoas percebem a importância do trabalhador rural. Ele quem toca a ‘briga’ no campo”, lembra.
Mais que isso. Séria com desconhecidos e reservada, o que as moças também não imaginam é que o trabalho da proprietária rural leva além de alimentos à mesa de todos. Tenório colabora para criar um clima mais amistoso aos seres em geral mitigando o aquecimento global, a garantir uma água em maior abundância e qualidade, a fornecer abrigo e alimentos aos animais silvestres. O trabalho que ela realiza no campo impacta positivamente a vida de todos nós.
Isso porque a produtora de queijo dedicou uma parte de sua propriedade para recuperar uma Área de Preservação Permanente (APP) em declive do seu sítio, em Camanducaia (MG). O local sofria erosão. A proprietária rural permitiu a recuperação da área degrada com quase um hectare de Mata Atlântica com o recurso e com o apoio técnico fornecidos por meio do Programa Carbon Free, da Iniciativa Verde. No total, foram plantadas 1.334 mudas de árvores nativas em 2015 que estão se transformando em uma densa floresta. Agregando valor ambiental ao trabalho da proprietária rural. Acompanhe o crescimento das árvores aqui.
Clima forçou a mudança no uso do solo
Tenório nasceu na “roça”, no mesmo município onde hoje mora. O pai faleceu quando tinha três anos e, assim, foi criada pela mãe junto com os sete irmãos. Desde sempre tirou o sustento da terra. Viúva há nove anos, hoje ela mora na propriedade rural com os netos, o filho Waldir e a simpática nora Maria Eugênia. Quando o sogro adquiriu o sítio, há mais de 50 anos, no local eram cultivados banana e café. E a família seguiu com a lavra. Até que, pouco tempo depois, um evento climático incomum na região os forçou a mudar o manejo da propriedade: nevou.
A nevasca matou as plantações. “Virou tudo pasto”, conta Tenório. Assim, eles se viram forçados a buscar outra fonte para renda e para sustento da família. “Na propriedade não havia muitas árvores, apenas alguns pinheiros e um pomar grande que ficou destruído. A geada deixou tudo seco”, explica. Se o sítio tivesse mais árvores nativas, provavelmente o estrago às plantações teria sido menor. Desde então, após perder as plantações, eles optaram por criar vaca de leite.
“Meu sogro sempre mexeu com vaca de leite. E eu faço queijo para vender. Queijo de minas”, ressalta com orgulho. “Embalo aqui, tenho selo, faço tudo de acordo com as normas, mesmo porque o leite em si não dá muito lucro”, explica a produtora. Um detalhe faz toda a diferença na produção: “Ela é melhor no `tempo das águas`. Quanto mais chove há mais pasto, mais rendimento”.
Árvores nativas para ter um futuro confiável
Percebendo a importância das árvores nativas para a sua própria atividade financeira, afinal, elas asseguram um solo mais rico, aceitou na hora quando Roberto Resende, presidente da Iniciativa Verde, procurava áreas para reflorestamento na região com a ajuda da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), onde Tenório se capacita ainda mais por meio de cursos.
“O local que recebeu o plantio era uma área de ladeira, um pasto, perigosa para o gado, não era interessante o gado subir lá”, conta. Além disso, há nascentes abaixo dessa área e um rio que também faz divisa da propriedade. Com as árvores nativas que ajudam a reter cerca de 80% da água da chuva, as nascentes devem se tornar mais fartas e o rio, mais caudaloso.
Tenório já conhecia o trabalho do projeto Conservador das Águas de Extrema, cidade mineira, onde o plantio de árvores nativas ajuda a preservar a água e é referência nacional. “Lá, o prefeito paga para os proprietários rurais conservarem água e não sofrem com a falta dela”, diz Tenório. “Eu gostaria que mais pessoas se interessassem a fazer o mesmo que a gente está fazendo. Se todo mundo pensar como os grandes, o que será de nós, dos pequenos?”
“Por aqui passam oncinha, tucano, siriema, gato-do-mato, veado. Assim, com as árvores nativas, vou deixar um futuro melhor para os meus netos”, conta feliz. Atualmente, o filho trabalha em uma empresa, mas no tempo livre também ajuda nos trabalhos no sítio. Mas quem fica com ela praticamente o dia todo nos afazeres da roça é a nora. “Daqui a pouco passarei o terreno para o nome dele”, afirma.
“O pessoal precisa dar valor ao trabalhador rural, ai deles se não fosse o povo do sítio. Feijão, arroz, leite não caem do céu, não”, brinca Tenório. “Se não fossem os coitados do povo do sítio, todo mundo iria morrer de fome. Mesmo assim, a gente não tem valor. Fica doente e não recebe nada. Chega à cidade e ainda sofre preconceito”, ressalta Maria Eugênia da Rosa.
Rosa emenda: “Além disso, a mulher é essencial no campo. Muitas decisões é a mulher quem toma. Às vezes, o Waldir fica em dúvida do que fazer. Não podemos deixar a peteca cair. Temos que seguir inovando. Aliás, se não incentivar os pequenos que estão na roça, eles vão embora”. “As mulheres no campo são nota dez, eu falo por mim. Trabalham mais que homem, mulher é mais cuidadosa”, acredita Tenório. “Nós duas acabamos fazendo tudo.”
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