Deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo podem aprovar mudanças que permitem destruição da mata que protege rios e lagos, apesar da crise hídrica. Por que isso é uma má ideia
É cada vez mais evidente para todos que várias mudanças no clima estão acontecendo. Os padrões de chuva e de calor cada vez mais distantes do que era conhecido, com efeitos dramáticos nas cidades e na agricultura. Também não se pode desconhecer a relação da vegetação com as águas, a começar da influência da Amazônia nas chuvas no Sudeste. Também temos os efeitos em escala regional e local da vegetação na regulação do regime hídrico, atenuando as enxurradas e liberando a água aos poucos no solo.
Uma das maneiras para a sociedade garantir a conservação dos recursos naturais é, em primeira medida, a adoção e cumprimento das leis, entre elas, a mais importante que é o Código Florestal. De qualquer forma, para que ela cumpra seus objetivos é necessária uma regulamentação feita em nível estadual.
Hoje São Paulo, que já teve liderança na questão ambiental, pode perder mais uma oportunidade de avançar. Ao discutir o regulamento do Código Florestal para o Estado a Assembleia Legislativa está prestes a aprovar o Projeto de Lei 219, que está aquém da realidade e das necessidades do conjunto da sociedade paulista.
No momento que falta água em boa parte das cidades e que a seca prejudica a produção agrícola não podemos ter uma politica pública que desfavoreça a conservação e a recuperação da vegetação.
O PL tem pontos que flexibilizam, atenuam bastante as exigências da lei federal em especial quanto à recuperação das Reservas Legais nos maiores imóveis rurais, ao permitir que estas reservas sejam feitas fora do Estado e desobrigando a recuperação nas áreas de Cerrado.
Além disto, apesar de ser discutida como uma regra para o setor rural tem embutidos artigos sobre a regularização de áreas de preservação nas cidades.
Ressalta-se que esta proposta visa beneficiar justamente os imóveis maiores que quatro módulos, ou seja, cerca de um terço das propriedades rurais do Estado. A agricultura familiar e a maior parte dos médios proprietários já estão desobrigados de recuperar estas reservas pela lei federal de 2012.
Conforme esta mesma lei estes imóveis maiores que precisarem recompor suas reservas têm 20 anos para fazer isso. Ainda podem incluir as áreas ciliares (que já são protegidas por lei) e também usar sistemas agroflorestais, com até metade de árvores exóticas, buscando combinar a função produtiva e a ambiental.
Assim, é difícil justificar que não seja direcionada a recuperação florestal em regiões do interior que foram muito desmatadas. Segundo dados do Instituto Florestal em 10 das 22 bacias de São Paulo a vegetação nativa cobre menos que 10% da área.
Para o Cerrado este PL traz um grande prejuízo ao dispensar a necessidade de recuperação. Em São Paulo este bioma correspondia a menos de 15 % da área e que hoje tem como remanescentes cerca de 1 % do território. Além do prejuízo para proteção de importantes áreas, como o Aquífero Guarani, esse seria mais um reforço da desqualificação da proteção legal do Cerrado, onde a fronteira agrícola avança no resto do Brasil.
A lei não pode atrapalhar este processo, atendendo interesses imediatistas de poucos. Ela deve ter como premissa a proteção ao Cerrado paulista e um limite bastante claro quanto à compensação de reservas florestais fora do estado. Importante destacar que não está em discussão o respeito ao produtor rural, que já têm diversos tratamentos diferenciados perante a lei florestal.
O que esta lei pode significar é uma direção para que regiões, setores da economia e pessoas contribuam de forma diferenciada para um melhor uso do solo e da agua, compartilhando a responsabilidade e compromisso. Mas para isso é importante que a sociedade conheça e participe deste processo que a todos interessa.
*Roberto Resende, 47 anos, Agrônomo, Mestre em Ciência Ambiental e Presidente da ONG Iniciativa Verde