*Roberto Resende
Mesmo com a atual crise da água e da energia, a importância de políticas adequadas para o manejo correto dos recursos naturais como a conservação e recomposição florestal ainda não está clara para diversos setores da sociedade. A começar pelos legisladores estaduais. Recentemente, deputados de seis partidos (todos da base do governo estadual) apresentaram na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o projeto de lei (PL) nº 219, que dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental das propriedades e imóveis rurais. Na prática, essa é a regulamentação estadual da nova Lei Florestal, a 12.651/12, que substituiu o Código Florestal.
É bom lembrar que, após um longo debate, esta Lei foi aprovada tendo sido considerada como sua principal vantagem a segurança jurídica e a definição de regras para as situações consolidadas em desacordo com as diversas versões do Código Florestal. Para isso, os dois principais mecanismos previstos são o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA). O CAR seria o equivalente a uma declaração do Imposto de Renda, onde é descrita situação do imóvel perante os pontos da Lei como a situação da vegetação, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal e de uso restrito. O PRA é o passo seguinte, definindo as condições para a adequação dessas áreas protegidas e das áreas de uso consolidado. Este Programa deve abranger, além do CAR, termos de compromisso e projetos de recomposição de áreas degradadas e alteradas que necessitem ser recompostas. Também inclui os mecanismos para a compensação de Reservas Legais, como a servidão ambiental e as Cotas de Reserva Ambiental.
A Lei Florestal prevê um papel importante para os estados na regulamentação de diversos pontos e como principal instância para cumprir e fazer as normas. No caso dos Programas de Regularização Ambiental, principalmente, é previsto que estes detalhem essas normas considerando as suas peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais. O PL 219 poderia suprir uma lacuna, mas não o faz. Aliás, na realidade, ele prejudica a necessária regulamentação e a efetiva implantação da legislação ambiental em São Paulo e no Brasil. Esta proposta surge quando a edição da Lei Florestal está quase completando quase dois anos. O governo federal ainda não implantou diversos de seus dispositivos, a começar pela edição do ato que efetivamente daria início à instituição do CAR e do PRA.
Por sua vez, o governo paulista pouco avançou no assunto lançado sua modalidade de CAR, que é anunciada como algo precário que depende da regulamentação federal. O Executivo não apresentou medidas ou diretrizes para a regulamentação do novo Código. Espera-se que a iniciativa legislativa não implique em mais demora das ações por parte do Executivo. O PL 219 tem uma redação que repete em grande parte conteúdos e termos da Lei Federal e também detalha demais alguns procedimentos.
Além de pouco inovar, ele traz diversos pontos que implicam em mais retrocesso. Alguns que podem ser destacados:
• Os critérios para definir o percentual de Reserva Legal em função da legislação vigente na época da conversão da vegetação nativa;
O PL tem uma tese equivocada em termos legais e ambientais de que a Reserva Legal só deveria existir em áreas de Cerrado (12% do território paulista) em 1989. Supõe-se por esta linha que, antes da Lei Federal 7803, o Cerrado, o Pantanal e a Caatinga não eram protegidos pelo Código Florestal. Sobre isso é importante lembrar que tanto o primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793, de 1934) quanto o segundo (Lei Federal 4771, de 1965) protegiam todas as formas de vegetação, incluindo o Cerrado. As duas versões anteriores do Código (e a atual) são claras em afirmar que elas se aplicam às florestas e às demais formas de vegetação. Esta interpretação do PL ameaça a restauração de parte do Cerrado paulista e a sobrevivência dos poucos remanescentes existentes.
• A falta de previsão de instrumentos econômicos;
A proposta perde a oportunidade de definir instrumentos de incentivo previstos no artigo 41 da Lei federal que se refere ao programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente. A seção do PL que estranhamente tem o mesmo nome, na verdade, trata do mecanismo da reposição florestal já prevista no artigo 33 da Lei federal. Perde-se, assim, a oportunidade de inovar e criar instrumentos de apoio aos agricultores para cumprir as diretrizes legais e adotar tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e a conservação ambiental como, por exemplo, os pagamentos por serviços ambientais (PSA) e as compensações tributárias. O estado de São Paulo já tem previsão legal para estes instrumentos na Lei sobre Mudanças Climáticas, de 2009 e ainda não aplicada de fato. A regulamentação da Lei florestal é uma oportunidade para se efetivar essas políticas, apontando critérios e fontes de financiamento. O único momento em que se prevê algum tipo de incentivo econômico é quando se propõe o direito à remuneração pela manutenção das APPs com recursos oriundos da cobrança do uso da água. Isto implica em problemas legais e políticos. Cabe ressaltar que esses recursos, além de não serem suficientes para tal remuneração, propostos de forma genérica têm sua utilização já em grande parte comprometida com obras e serviços como saneamento. Assim, devendo sua utilização ser definida pelos Comitês de Bacia conforme a legislação de recursos hídricos.
• Não tem critérios para orientar a recuperação florestal.
Em São Paulo, os remanescentes florestais são mal distribuídos, concentrados no Litoral e no Vale do Ribeira. Das 22 Bacias do estado, dez (nas regiões Central e Oeste) têm menos de 10% de cobertura de vegetação nativa. O mecanismo de compensação de Reservas fora do imóvel é um instrumento que ajuda a compatibilizar critérios agronômicos, econômicos e ambientais para aperfeiçoar a definição de uso das terras. Mas não pode, ao ser flexibilizado ao extremo, permitir que as áreas de compensação fiquem concentradas nas bacias do litoral, com muita vegetação, deixando o interior com baixíssimos índices de cobertura florestal e consolidando os prejuízos para a biodiversidade, aos recursos hídricos e à paisagem.
De modo geral, o PL 219 pouco acrescenta e deixa de cuidar das especificidades de São Paulo. Onde tenta inovar sinaliza para um maior prejuízo na integração entre produção agrícola e conservação ambiental. Dessa maneira, é importante o acompanhamento e aprimoramento do Projeto e de suas emendas.
*Engenheiro agrônomo e presidente da Iniciativa Verde