Água se planta a muitas mãos

Água se planta a muitas mãos

Categoria(s): Arquivo, Plantando Águas

Publicado em 24/01/2020

Por Marina Vieira | Fotos Marina Vieira e Fundação Banco do Brasil

Chegando ao final de mais uma fase de patrocínio do Plantando Águas pela Petrobras, os momentos de reunião da equipe e dos agricultores se tornaram espaço para reflexões sobre as ações desses últimos dois anos. E uma ideia se repetiu: a de que só foi possível por conta da união coletiva.

Para começar, o projeto foi desenhado para acontecer em rede. As tecnologias de tratamento de esgoto são desenvolvidas e testadas em instituições de ensino; as prefeituras são essenciais no envolvimento de escolas e no apoio logístico; as associações de moradores, cooperativas e outros grupos oferecem espaço para o projeto ser conhecido e adotado por quem se interessar; órgãos do governo oferecem conhecimento prévio dos territórios e mais uma porta de entrada. Durante o desenvolvimento das atividades, outros projetos foram envolvidos, com intercâmbios, eventos e ações complementares.

Somente com a junção de todos esses agentes aos agricultores participantes que a meta de 200 sistemas de tratamento de esgoto foi atingida. Aliás, ultrapassada em três unidades e com mais 21 em processo de instalação. Espalhadas nas zonas rurais de seis cidades, cada fossa servirá, em média, uma família de cinco pessoas, tratando 5,4 m³ de águas negras por mês. “Mesmo que as fossas da Iniciativa Verde pareçam pouca coisa [diante da falta de saneamento], elas têm um enorme valor”, afirma Wilson Tadeu, pesquisador da Embrapa Instrumentação, onde foi desenvolvida a fossa biodigestora. “São os parceiros no final das contas que estão fazendo o trabalho de instalação e disseminação da tecnologia. Cada um faz o seu grãozinho e na soma chegamos nas 11 mil”, conta, referindo-se ao último censo que levantou o número dessas fossas instaladas no Brasil.

Envolvimento do poder público

Indo de grão em grão, a Prefeitura de Barra do Turvo estima que agora metade da zona rural da cidade conte com sistemas de tratamento de esgoto. Quando o projeto chegou ali na região do Vale do Ribeira, havia uma articulação em andamento para instalação de fossas biodigestoras do modelo Caratinga, que utiliza bombonas. Além de apoio de material e na instalação, o Plantando Águas também coletou amostras e fez análises laboratoriais para monitorar o desempenho dessas fossas.

Para o prefeito de Barra do Turvo, Jefferson Luiz Martins (Dr. Jefferson), a parceria com o projeto foi a mais importante de seu mandato. “A gente que é médico sabe que saneamento básico é tudo para a saúde da população e da natureza, e tudo que se investe nesse tipo de obra se economiza na saúde futuramente”, afirmou o prefeito.

Saneamento básico no Brasil ainda é um problema. Estima-se pelo IBGE que mais de 60% dos domicílios rurais depositam o esgoto em fossas rudimentares, com alto risco de contaminação, ou diretamente no ambiente. Tecnologias sociais como a fossa biodigestora oferecem uma solução acessível e replicável a diferentes realidades deste enorme desafio.

No município de Araraquara, a mobilização para instalação de fossas serviu como catalisadora para que soluções de saneamento fossem direcionadas à zona rural. O Assentamento Bela Vista do Chibarro foi o primeiro, e agora o Departamento de Água e Esgoto da cidade estuda realizar um programa com as fossas em toda a zona rural, como conta Silvani Silva. Ela cresceu no assentamento e agora trabalha na prefeitura. “Desde 2012, quando a gente conheceu o projeto em São Carlos, ficamos encantados. Só não sabíamos como fazer isso num assentamento de cultura tradicional. Mas a gente só faz a ponte. O projeto só está dando certo porque vocês, agricultores, acreditaram” disse durante reunião.

Fincando raízes

A crença e a união dos agricultores se manifestavam nos mutirões, seja para a instalação das fossas, seja para o plantio dos 60 hectares de sistemas agroflorestais (SAFs) que agora crescem em assentamentos, pequenas propriedades e unidades de conservação no interior de São Paulo.

Combinando o plantio de árvores nativas com a agricultura e o cuidado do solo, SAFs são uma ótima opção de uso da terra em áreas de proteção, como reservas legais e áreas de mananciais, destaca Edevandro Moraes, supervisor no Instituto de Terras de São Paulo em Sorocaba. Ele relembra a primeira fase do projeto ao comentar o impacto das ações. “Muito alimento que foi produzido nessas áreas foi para pessoas que estão em insegurança alimentar, por meio de compras públicas para creches, escolas e restaurantes populares. O projeto se estendeu para além do que está escrito”, diz.

Saneamento, monitoramento e educação ambiental são partes do conjunto Plantado Águas.

Oportunidades de pesquisa

Estendeu-se até para dentro da academia, atraindo o interesse de estudantes e pesquisadores para as áreas. Felipe Quartucci, por exemplo, quer acompanhar um dos SAFs implantados para avaliar seu potencial de mitigação de mudanças climáticas. A ideia é medir quanto carbono pode ser estocado no solo do SAF. “A maioria dos estudos mede a biomassa acima e abaixo da terra, então, se uma agrofloresta cresce, ela sequestra carbono. Só que, além disso, as folhas e raízes vão se decompor e uma parte vira matéria orgânica, com um enorme potencial de aumentar o estoque de carbono”, explica. Ele já levou uma amostra de solo para análise na Universidade de Bonn, onde vai desenvolver o doutorado.

Iniciando o mestrado em biotecnologia e monitoramento ambiental na Universidade Federal de São Carlos, Raone dos Reis quer medir outro tipo de serviço ambiental no SAF: o de biodiversidade. Especificamente, caçando vagalumes. “Na monocultura você tem um declive na biodiversidade desses bichos, e com o sistema orgânico você acaba potencializando, aumentando até a biodiversidade”, relata.

Isabelle Vichi, da Universidade de Sorocaba, conseguiu acompanhar a implantação do SAF na propriedade de Maria Chiari, em Piedade, para o seu Trabalho de Conclusão de Curso. Comparando a análise de solo feita pelo Plantando Águas antes do plantio do adubo verde coma feita por ela mesma, depois, a estudante de biologia descobriu que mesmo num curto espaço de tempo – de maio de 2018 a outubro de 2019 – houve diferença notável na melhora dos macro e micronutrientes, o potencial de adsorção aumentou e a matéria orgânica também.

Apesar dos resultados positivos já averiguados, paira a questão sobre os efeitos a longo prazo. É sobre estes que Fábia Icassati, pesquisadora associada da Universidade de Araraquara, quer se debruçar. “Dentro da perspectiva da agroecologia, tem a parte prática, de plantar, crescer, manejar e vender, mas tem a parte que é política também, que empodera o agricultor, afeta como ele se vê, e isso leva tempo”, pondera. Ela acompanhou as atividades no Bela Vista do Chibarro e avalia que o Plantando Águas deu uma base sólida, principalmente pela questão do coletivismo, de promover os mutirões, mas que a transferência do conhecimento só acontece quando se torna funcional, atingindo todos os envolvidos na cadeia.

A continuidade das ações é uma preocupação constante que sonda projetos de transformação social. Atuação em rede e foco no empoderamento dos participantes são algumas das estratégias adotadas pelo Plantando Águas para assegurar uma vida mais longa à proposta. Outra, mais direta, é a busca de novos financiamentos. Com isso em mente, a Iniciativa Verde, realizadora, participou do primeiro Edital Água do Instituto Mosaic, destinado a algumas cidades, entre elas, Cajati. O projeto foi aprovado e em agosto começaram as atividades de expansão do Plantando Águas no bairro de Lavras. Com os novos recursos, será possível completar o tratamento de esgoto de todas as casas da comunidade, continuar o monitoramento e desenvolver soluções para os resíduos sólidos da região.

 


 O que dizem os parceiros

 Fundação Florestal
“Quando a gente assumiu a gestão [das Unidades de Conservação], além da questão de recuperação das APPs (Áreas de Preservação Permanente) desprotegidas, um dos maiores problemas encontrados foi o do saneamento, que é muito precário. Tem caso de moradores que nem banheiro tinham. Então tinha até poluição do curso d’água que o pessoal usava para consumo. Por falta de recurso, de informação, as pessoas acabavam despejando sem esse tipo de tratamento. Então para a gestão o projeto foi muito bem vindo. Foi bem gratificante, e atendeu as expectativas.” - Airton Vieira, gestor das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Lavras e dos Pinheirinhos.

Unesp Registro
“A importância do projeto é mostrada, entre várias coisas, pelos dois prêmios que ganhou. Mas para nós no Vale do Ribeira entra muito a questão do saneamento. A instalação das fossas foi essencial. Temos muitos problemas de doenças relacionadas à falta de saneamento na zona rural.

Ensinar as pessoas a trabalhar coletivamente também foi muito importante, e todo o trabalho para que comunidades tenham uma nova fonte de renda, o monitoramento da água... Eu não conhecia outros projetos com a mesma inserção.

Para a universidade, ele entra na extensão rural, que é uma área muito importante dentro da Engenharia Agronômica. Além disso o projeto abriu perspectivas para pesquisas e para estágio para nossos alunos. Foi uma mobilização muito forte.” - Alcivania Silva, professora doutora na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Escola da Floresta
“Para nós é muito importante participar do projeto e saber que com ele conseguimos fazer as atividades aqui. Das visitações nos últimos anos, 70% foram pelo Plantando Águas. Ajuda muito a divulgar o projeto, ele fica mais conhecido e com isso a gente consegue com que as pessoas acreditem no trabalho.” - Flávio Marchesin, proprietário do Sítio São João e idealizador da Escola da Floresta.


Secretaria de Educação de São Carlos
“Precisa ter mais! A criançada fica doida pra ir lá [na Escola da Floresta, onde fica o centro de educação ambiental do projeto]. O trabalho é ótimo, eu como bióloga e responsável de educação ambiental aqui em São Carlos só tiro o chapéu para vocês.” - Isabela Pelatti, da Secretaria Municipal de Educação de São Carlos.


Prefeitura de Iperó
“Essa parceria entre a prefeitura e ONGs é fundamental, porque nosso município tem um orçamento modesto, e parcerias assim, igual temos com vocês, com a Flona [Floresta Nacional de Ipanema], possibilitam trocas do que cada um tem de melhor, ou de estrutura que cada um tem. A prefeitura pode entrar com apoio logístico, de pessoal, e a ONG vem com o que conhecimento, técnicas, recursos, e complementa onde o município está carente. Que em 2020 continue o projeto e a gente consiga avançar com as ações agroecológicas, de preservação de nascentes, e outros projetos!” - Luiz Alberto Popst, Secretário do Meio Rural, Ambiente e Turismo de Iperó.

 

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