A floresta em consórcio com a agricultura

A floresta em consórcio com a agricultura

Categoria(s): Arquivo

Publicado em 24/01/2019

Os SAFs usam dinâmicas da natureza para fazer uma agricultura mais sustentável

Por: Marina Vieira

Raízes fortes que perfuram o solo, permitem que o ar e a água entrem e que a terra, afofada, abrigue um pequeno universo de seres vivos. Árvores que crescem rápido e protegem pessoas e plantas do sol escaldante. Folhas cujos nutrientes vieram debaixo da terra caem e devolvem para o solo esses mesmos nutrientes, alimentando o ciclo da vida.

A filosofia por trás das agroflorestas que o Plantando Águas está implantando em é essa: usar elementos da natureza, da dinâmica das florestas, para fazer uma agricultura mais produtiva e sustentável. Mais de 90 famílias de agricultores irão compor, no total, 60 hectares de SAFs (Sistemas Agroflorestais), nas três regiões do projeto: Vale do Ribeira, Araraquara e Sorocaba.

Durante o ano de 2018, o projeto vem ajudando a preparar terreno. “A primeira coisa que temos que cuidar é da biologia do solo, manter a vida nele”, explica José Manoel Zago, o Maneco, biólogo e técnico da região de Sorocaba. O solo da agrofloresta deve ser rico em nutrientes e cheio de vida, das mais diversas formas - minhocas, piolhos-de-cobra e microorganismos.

Para começar, foram feitas análises de solo das áreas. Com isso foi possível saber se o solo tinha nutrientes, se sua acidez estava no nível certo, e, caso necessário, calcular as correções. Os diagnósticos foram trabalhados diretamente com os agricultores. Nos lugares que precisaram, o Plantando Águas fez a calagem, colocando calcário e gesso para corrigir a acidez do solo.

Cada SAF é único e está sendo acompanhado de perto pelo projeto

SUCESSÕES

Outra etapa no preparo do solo é a adubação verde, que está sendo feita com feijão guandu. “A ideia é formar um berçário para receber as mudas do SAF. O guandu vai protegê-las da insolação, o que diminui a perda de água, vai fixar nitrogênio, que as mudas vão aproveitar para crescer, além de descompactar o solo”, conta Maneco.

O guandu é usado como adubo verde por crescer muito rápido. Quando podado, deixa no solo nutrientes que as plantas de interesse precisam para se desenvolver. Este feijão ainda tem a vantagem de ser um arbusto, criando um ambiente com vantagens de pequena floresta: proteção do vento, do sol direto e da temida braquiária, um tipo de capim que pode competir com as mudas do SAF por água, luz e nutrientes.

Junto com o preparo do solo, os SAFs foram sendo desenhados, atentando para a ecofisiologia das espécies e o interesse dos agricultores.

Isso foi diferente da primeira fase de Plantando Águas, que aconteceu de 2013 a 2015. “A gente tinha bem definido os modelos, das espécies ao espaçamento no terreno. Mas em alguns casos não deu certo, com abandono ou pouco desenvolvimento dos plantios” conta o biólogo.

Nesta fase, todos buscam aprender com os erros e acertos de outras experiências.“Estou trabalhando com 40 agricultores, e são 40 projetos de SAF, nenhum igual ao outro”, diz Maneco.

CADA UM DE UM JEITO

Nem o jeito de semear o adubo verde foi igual. Amanda Carrara, engenheira ambiental e técnica da região de Araraquara, conta como foi no assentamento Bela Vista do Chibarro. Teve quem fez a lanço, outros em linha; tem quem já está plantando quiabo no meio, outros que estão deixando apenas a “florestinha de guandu”.

Desta forma, os SAFs se adequam ao que o agricultor já faz, facilitando a transição para esse novo sistema de produção. Carrara passou na casa dos participantes anotando o que eles gostariam de ter, desde espécies até o modelo de SAF. Após uma oficina coletiva de planejamento, ela voltou nas residências para validar os desenhos montados. Alguns fizeram mais intervenções, outros menos, mas ela avalia o processo como positivo. “Eles me perguntavam, por exemplo, porque colocar uma bananeira em tal lugar, e isso abria espaço para falar da agrofloresta, da interação entre as espécies, dos estágios de crescimento. Então rendeu boas discussões”, afirma.

Para Amanda Sellarin, agrônoma e técnica do Vale do Ribeira, é fundamental o envolvimento dos agricultores em todas as etapas. “A maior intenção da agrofloresta no Plantando Águas não é oferecer insumos. É oferecer uma tecnologia sustentável de agricultura”, afirma.

A sustentabilidade da agrofloresta vem em diversas formas. Desde a criação de um ambiente mais agradável - “trabalhar debaixo de uma árvore é melhor do que no solzão de rachar”, brinca Maneco -, à diversidade na produção, que faz com que o produtor tenha mais opções e em épocas diferentes no ano, até a diminuição ou total independência de insumos externos.

Combinar espécies permite, por exemplo, que se produza café à meia sombra de uma plantação de abacates, otimizando o espaço do sítio. Um girassol perto de um limoeiro pode atrair joaninhas, que são predadoras naturais de pulgões, uma das pragas mais recorrentes nas plantações. “É fazer agricultura dentro da floresta, em consórcio com ela”, resume Sellarin.

Roberto Resende, agrônomo e presidente da Iniciativa Verde, completa dizendo que as agroflorestas do Plantando Águas têm, ao mesmo tempo, uma função produtiva e de demonstração. Considerando as condições do projeto, de orçamento limitado e com dois anos de duração, “o que é pouco para acompanhar o desenvolvimento das árvores”, a opção foi de investir na estrutura e na apresentação e discussão dos conceitos com os agricultores. “É por isso que estamos chamando de “SAF berçário”. Estamos preparando as condições para que estes novos sistemas prosperem”, define Resende.