Texto e fotos por Marina Vieira
Um dos maiores desafios do desenvolvimento sustentável que o Plantando Águas ajuda a enfrentar é o do saneamento básico, do ODS 6*. São quase 100 milhões de brasileiros vivendo em habitações sem coleta de esgoto. O custo para universalizar esse acesso e ao da água tratada, segundo a ONG Trata Brasil, é de R$ 303 bilhões de reais nas próximas duas décadas. Reduzir este custo é uma estratégia importante de solução deste problema, e para isso contamos com a ciência.
A fossa séptica biodigestora é um fruto desse esforço. Foi desenvolvida na Embrapa Instrumentação, em São Carlos, pelo médico veterinário Antônio Pereira de Moraes, especialista em sistemas anaeróbios (sem oxigênio). Ele teve a ideia de simular um sistema de câmaras semelhante ao do estômago de animais ruminantes, como a vaca, para tratar o esgoto doméstico. O sistema foi testado e validado em 2002, e, desde então, estima- se que mais de 11 mil fossas já tenham sido instaladas, beneficiando pelo menos 57 mil pessoas no campo. “Com certeza esse número é maior, pois fizemos o levantamento apenas com os dados reportados por parceiros”, conta Carlos Renato Marmo, analista na Embrapa Instrumentação. Por ser uma tecnologia social, ela pode ser usada livremente, sem avisar a instituição.
Adaptações
Outra característica da tecnologia social é que ela deixa um convite aberto para mais testes, melhorias e adaptações. É o que a equipe da Embrapa Instrumentação está fazendo no momento, em colaboração com a Embrapa Amapá. Eles estão construindo um modelo da fossa que pode ser usado em áreas alagadas. A unidade Instrumentação também está desenvolvendo um manual de utilização do efluente como biofertilizante.
Aos olhos de Wilson Tadeu Lopes da Silva, pesquisador, essa talvez seja a maior vantagem da fossa biodigestora. Além dos materiais que compõem o sistema serem facilmente encontrados em lojas de construção, e da montagem ser acessível para pessoas com um pouco de conhecimento de hidráulica, o efluente da fossa pode ser usado nas plantações.
“Há uma certa dificuldade quanto a adoção, muita gente se sente desconfortável, acha que vai contaminar, cheirar, atrair bicho. Nós sabemos que isso não vai acontecer, mas estamos fazendo um estudo dentro do método científico, até para validar as proporções, quantos litros valem quantos quilos de NPK*, quanto usar em cada cultura, tudo para expandir o seu uso”, relata Tadeu.
Existem ainda as alterações feitas espontaneamente por agricultores. A Maria Rodrigues dos Santos, produtora de orgânicos do assentamento Horto Bela Vista, de Iperó, instalou uma fossa biodigestora no seu lote na primeira fase do Plantando Águas. “A gente tinha uma menor, com tambores, mas acho que essas são melhores”, avalia. “A diferença que eu vi foi que as outras não levam em conta a caloria do sol, para ajudar a dar um ambiente térmico para as bactérias. Não imitava tão bem o estômago da vaca. Então, cientificamente, gostei mais dessa”, afirma Maria.
No começo ela usou esterco fresco na fossa, como recomendado pela Embrapa, mas um tempo depois isso ficou em falta. Ela resolveu, então, substituir por microorganismos eficientes (EM). “Já usamos há um ano e meio, e funciona, não dá cheiro”, diz. Os pesquisadores da Embrapa contam que estão cientes desse uso, mas que ele ainda não foi testado.
“A nossa ideia, ao desenvolver a tecnologia, é depender o mínimo de insumo externo, isto é, coisas que não tem na propriedade. Por isso é usado o esterco”, explica Renato. “Mas estamos atentos ao lugares que não tem esterco, e estamos trabalhando com inóculos alternativos”, completa Tadeu.
“No final, o que a gente quer mesmo, na primeira escala, é a adoção, que as pessoas tenham o saneamento básico. Mas queremos também engajar o agricultor, que ele se sinta dono e valorize aquilo, então nos empenhamos para que a fossa seja cada vez mais adequada à realidade agrícola brasileira”, finaliza Tadeu.
PARA SABER MAIS SOBRE a Fossa Biodigestora, acesse www.embrapa.br, ou visite a unidade Instrumentação: Rua XV de Novembro, nº 1.452, São Carlos, SP. Fone: +55 (16) 2107-2800
* Nitrogênio, Fósforo e Potássio, os três principais nutrientes usados na agricultura.